*Juliana Xavier
Em uma tarde de fim de ano, após um dia intenso de trabalho, meu marido e eu fomos surpreendidos por uma ligação de nosso advogado. Em poucas palavras ele deu a notícia que há um tempo almejávamos: poderíamos a qualquer momento ir ao abrigo buscar os nossos dois filhos, pois o juiz havia liberado a tão esperada guarda provisória. Era dia dezessete de dezembro de 2014.
Ficamos quase sem reação, pelo susto que levamos, pois era remota a possibilidade deles passarem conosco os feriados de Natal e Ano Novo daquele ano. Decidimos então buscá-los já no dia seguinte. Respiramos fundo e saímos para comprar lençóis, colchas de cama e pequenos adereços que “colorissem” nossa casa para recebê-los.
Avisamos aos nossos familiares e amigos que, prontamente, nos ajudaram a arrumar nossa casa decorando com cartazes, fotos, guloseimas e balões de festa nos quartos das crianças. A sensação que tínhamos era a de pais de filhos prematuros, que precisam, como podem, ajeitar rapidamente o básico do enxoval para a chegada antecipada do bebê.
Após tudo preparado, partimos para o abrigo, que fica em outra cidade. Depois de várias burocracias, necessárias no processo de adoção, por volta das quatro horas da tarde daquele dia, entrávamos no carro, nós quatro: meu marido, eu e nossos, agora, filhos, rumo ao seu mais novo lar. Ao chegar em casa, a recepção dos amigos e familiares foi incrível: abraços, brincadeiras, filmagens, presentes e muitos sorrisos naquela inesquecível noite de pizza.
Nossa vida se transformou completamente, para melhor, mas não sem um intenso período de adaptação. Tive direito aos quatro meses de licença maternidade e entrei de cabeça no “ser mãe”. Por necessidade, aplicamo-nos, como pudemos, em pesquisar e ler sobre o assunto da adoção, da fase de adaptação.
Contamos com a orientação profissional de psicólogos e psicopedagogos. Conversei com muitas mães de adolescentes, que deram conselhos preciosos como: não brigar muito por pequenas coisas, ter paciência, conversar, orientar e ser bem firme quando a questão for prejudicial ao bem-estar deles.
Ajudou-nos muito, particularmente, as seguintes palavras que a assistente social do Fórum local havia nos dito há tempos: “Quando vocês adotarem uma criança, lembrem-se que ela terá sempre uma razão por trás de cada reação”.
Compreendemos que na adoção precisaríamos ir além, entendendo a criança em seus traumas, medos e dificuldades vindas de suas lembranças. Só assim poderíamos ajudá-la a vencer, experimentando a cada dia o milagre do amor, com paciência e perseverança.
Encontramos, pouco tempo depois da adoção, uma outra assistente social e amiga que nos tranquilizou, informando-nos que o tempo de adaptação é de no mínimo dois anos e que seria preciso muita paciência da nossa parte neste tempo inicial, especialmente por serem crianças um pouco maiores.
Nesse período, eles testaram-nos até terem a segurança de que realmente os amávamos, sem limites. Nesse tempo, lembrei muito de como minha mãe sempre me amou, mesmo quando não mereci. Pude compreender melhor o que é um amor puro, amor de verdade, um amor sem medidas.
Relato a seguir alguns episódios, especialmente com nossa filha, que chegou já na adolescência. Certo dia, ela saiu brava, revoltada pela garagem de nossa casa, como um “ouriço”, que se eu tocasse, certamente me feriria. Então, fui até ela, olhei firmemente nos olhos dela, segurei em seus braços e disse: “Você é minha filha e eu nunca vou deixar de te amar. Nunca vou te abandonar e nem desistir de você. Aconteça o que acontecer, sempre vou estar ao seu lado.” Naquele momento ela se desarmou totalmente e se tranquilizou.
Em outra situação, quando eu a orientava a estudar, ela me disse com todas as letras que nunca estudou para uma prova e que nunca estudaria. E isolou-se em seu quarto, a portas fechadas, firme em sua decisão. Então, pedi forças e sabedoria a Deus (o que sempre fiz especialmente na educação dos filhos), respirei fundo e fui até ela, que estava deitada em sua cama. Coloquei calmamente sua cabeça em meu colo e comecei a acariciar seus cabelos. Nesse dia, tive uma longa conversa com ela, de muita compreensão, paciência, amor e carinho. Percebi que era tudo o que ela precisava naquele momento. Em seu primeiro boletim na nova escola, metade das notas foram acima da média e metade abaixo. Ela tremia e chorava. Foi então que a chamei em um canto, na escola, e lhe disse que estava de parabéns, não deveria chorar, já que, mesmo em meio a tantas coisas novas que estava vivendo naquele ano, ainda tinha conseguido a média em várias matérias.
Percebi que seus olhos brilhavam ao me ouvir dizer que poderia contar comigo. Senti ali suas forças se recobrarem, acreditando que iria conseguir vencer. Hoje, alguns anos se passaram e vemos grandes vitórias em suas notas, seu empenho, maturidade e busca de disciplina nos estudos.
São inúmeras as situações vividas e superadas com amor, paciência e fé neste tempo de acolhimento e adaptação. Superações vivenciadas não somente com nossa filha adolescente, mas também com nosso filho, que hoje está com onze anos e precisa muito do nosso amor.
Como pais adotivos, podemos afirmar o que experimentamos em nosso dia a dia: o amor, quando é puro, paciente e verdadeiro, transforma as realidades mais difíceis e cura as feridas mais profundas, trazendo sementes de vida, gerando um novo amanhã.
*Juliana Xavier é missionária da Comunidade Canção Nova