Não tenho nenhuma pretensão de esgotar o tema sobre a amizade, pois é um assunto muito rico e vasto. Pode ser que você já tenha lido, escutado, assistido muito sobre amizade, mas ainda não tenha compreendido o que é um amigo, ou como fazer amigos. Talvez esteja até se questionando: será que sou um bom amigo?
Quem deseja um amigo precisa estar disposto a trilhar um caminho, pois é necessário perceber em si um empenho pela amizade. Um primeiro ponto a destacar é o TEMPO. A amizade nunca se faz da noite para o dia, é preciso disposição para trilhar um caminho de conhecimento e também de acolhida do outro e de si mesmo. É necessário baixar as guardas e deixar que o outro se aproxime livremente para partilhar sua história, demonstrar suas fraquezas, limitações, mas também se sentir livre para expor suas alegrias e os dons com que o Senhor o cumulou. Por isso é preciso dispor de tempo, pois é no tempo e na prova que o ouro é purificado, e a amizade é este ouro.
É certo que nem todo mundo está disposto a construir laços de amizade, e são tantas as motivações que levam a isso. No entanto, a amizade implica em decisão e coragem para não se deixar levar por tantos obstáculos. Por isso, a CONFIANÇA e a CONFIDÊNCIA são necessárias para a construção de uma amizade madura. Com os amigos construímos uma história que é sagrada, mesmo se aos nossos olhos parece apenas feita de coisas simples e muito humanas. Depende muito do que estamos dispostos a acolher, pois aprende-se muito com o amigo, esteja ele próximo ou distante. A amizade sempre se fortalece ao ser conduzida pelo amor a Deus, pela discrição, pela alegria e pela transparência de ser verdadeiramente o que está em nosso coração, ou seja, sem usar máscaras que nos escondam.
Somos um grande mistério e, mesmo que tenhamos que admitir que a limitação e a fragilidade nos marcam, a amizade vai acontecer ainda que seja necessário tocar naquele mistério de graças como de misérias, presentes no coração de cada um de nós. Como diz Giuseppe Colombero: “a característica da amizade é a certeza de encontrar o imutável no mutável”.
Certa vez, li a seguinte frase: “Quero um amigo com o qual eu tenha, na sua presença, a liberdade de sentir-me fraco, ser diante dele aquilo que realmente eu sou”. Só a confiança e a confidência são capazes de nos colocar nesta condição diante do outro, afinal quem confia também confidencia.
Ninguém caça uma amizade, ela nasce naturalmente, cresce e floresce. Porém, como bem sabemos, para que uma planta cresça é preciso CUIDAR e GUARDAR. Lembremos aqui do Pequeno Príncipe, tão preocupado com sua rosa, que até a coloca em uma redoma de vidro, um sinal de cuidado e proteção. É difícil dizer como escolhemos os amigos ou porque eles nos escolhem, se é que é possível uma escolha. Prefiro dizer que é Deus mesmo cuidando, preparando o caminho e nos convidando à santidade por meio do amigo, pois a amizade nada mais é do que a aceitação de que Deus nos visita através de quem nos é próximo.
Quem procura a amizade dificilmente a encontrará, porque a amizade verdadeira não é objeto de procura. Quando queremos uma amizade a todo custo, ela nos escorre pelos dedos, não a alcançamos, pois ela primeiro precisa ser encontrada dentro de nós. É preciso que reconheçamos, essencialmente, no mais profundo do nosso coração, aquela identidade que comunga com quem começa a viver conosco o período de conquista da amizade. Quem caça uma amizade jamais cuidará dela, pois na caça a única coisa que desejamos é “exibir o prêmio” ou nos alimentar daquilo que caçamos. Entretanto cultivar uma rosa é desejar admirá-la e não possuí-la. Quem cuida e guarda aprende a valorizar aquilo que plantou.
Em todo esse processo existe um risco, pois não existe amor sem riscos, logo não existe amizade sem riscos. Não existe fé sem riscos, não existe confiança sem riscos. Já nos dizia o saudoso Papa Bento XVI: “Não há segredos entre amigos: Cristo nos diz tudo o que escuta do Pai; Dá-nos sua plena confiança e, com a confiança também o conhecimento”. A confiança construída sob a caridade: é essa a maior segurança que temos no relacionamento da amizade; a amizade é assim um bem nela mesmo por causa do reflexo do amor de Deus. Sem a CARIDADE nenhuma amizade subsiste, pois, a caridade é quem une e sela a amizade.
Não somos nós que sustentamos a amizade. Ela é, primeiramente, dom de Deus. Uma semente que é plantada no coração de duas pessoas para que cresça com a descoberta, a escolha, o cultivo e a decisão de amar o outro, embora sejam, muitas vezes, tão diferentes. As diferenças não anulam uma amizade e nem são obstáculos para que ela se desenvolva em toda a sua potencialidade. Quando vamos conhecendo a pessoa amiga, vamos percebendo algumas semelhanças e aquilo que é comum nos desejos e na maneira de conceber a vida. Tudo é graça de Deus!
* Rafael Morais é seminarista da Comunidade Canção Nova.