* Padre Mário Marcelo Coelho
No evangelho de João 19,31-37, ao relatar a morte de Jesus, o evangelista narra que “um soldado abriu-lhe o lado com uma lança, e logo saiu sangue e água”. Esta passagem é um convite a contemplar o Coração transpassado de Jesus: “olharão para aquele que transpassaram”.
Contemplar o Coração aberto de Jesus significa “parar”, “fixar os olhos”, “compreender com o coração” o mistério do amor de Deus derramado no coração da humanidade. O lado aberto de Cristo, na cruz, é a expressão de como o amor divino torna-se concreto, palpável e visível. É a fonte da vida cristã autêntica, onde se bebe o amor divino e se reconhece que Deus é força e salvação: “com alegria (beberão) no manancial da salvação” (Is 12, 2-6).
Olhando o lado aberto de Cristo, nós conhecemos o endereço da fonte: é o Coração de Deus que se comove e arde de compaixão, possibilitando-nos beber a vida divina e nos enraizar no amor de Deus. Como escreve Paulo, todos temos capacidade “de conhecer o amor de Cristo que ultrapassa todo conhecimento” (Ef 3,8-12.14-19).
É contemplando o Coração de Jesus que podemos compreender a dimensão do amor divino em toda sua extensão: “tereis assim a capacidade de compreender (…) qual a largura, o comprimento, a altura, a profundidade” — com destaque especial para o fundamento — “conhecer o amor de Cristo que ultrapassa todo conhecimento” (Ef 3,8-12.14-19).
No Coração de Jesus está a expressão do que Deus verdadeiramente é: “Deus é amor” (1Jo 4,16); é o Bom Pastor capaz de deixar tudo para se aventurar em caminhos pouco confortáveis e escassos de segurança para buscar a ovelha perdida; ir em busca da vida humana, perdida em locais tenebrosos por causa do pecado e da morte (Sl 22).
Jesus é a descrição do Coração divino que traz consigo um projeto seguro para a vida humana: vem ao encontro da humanidade, retira-a de caminhos agressores e a coloca no caminho onde a vida é acariciada pela ternura de Deus (Lc 15, 3-7).
O convite de Jesus “vinde a mim, vós que estais cansados”, … “venham a mim e aqui encontrarão repouso, porque eu sou manso e humilde de Coração” é dirigido, especialmente, a quem já perdeu suas esperanças terrenas e vive decepcionado de tudo; quantos pais e mães; quantas famílias vivem sem esperança, jovens decepcionados, doentes abandonados em seus leitos de dor, pessoas desempregadas, homens e mulheres cansados e tristes. É também um convite estendido a quem anda em busca de repouso, cansado de cair em situações que prometiam esperanças, mas depois se revelaram vazias.
Cada um de nós deve ser a imagem viva do Coração de Jesus que se manifesta no amor, que demonstra, através de atitudes e de palavras, o amor misericordioso de Jesus. Nós cristãos temos o compromisso de ser o Coração de Jesus que bate no meio do mundo: “Jesus manso e humilde de Coração, fazei o nosso coração semelhante ao vosso”. Somos chamados a assumir atitudes de misericórdia e de acolhida, típicas do Coração de Jesus, para com todos, mas especialmente para com os mais necessitados, os mais pobres, os cansados e angustiados de nossos dias.
Aceitar o chamado é a capacidade de quem é semelhante ao Coração de Jesus, de curar e de resgatar a vida através do amor, do cuidado e da compaixão. Quanto mais nos aproximamos e contemplamos “aquele que transpassaram”, que é o Coração de Jesus, mais nosso coração torna-se fortalecido pelo amor de Deus. Deus preocupa-se com quem não é acariciado pela vida, com quem é agredido pela vida (Ez 34,11-16).
Só quem tem um coração semelhante ao Coração de Jesus pode encontrar-se com Deus e com os irmãos por meio de relacionamentos que não oprimem, mas que acolhem, que convidam a descansar e encontrar repouso no amor. O desejo da Igreja é oferecer um coração humano com as mesmas características do Coração de Jesus, que: amar, perdoar, acolher os pobres e necessitados… que sente o que o outro sente.
* Padre Mário Marcelo Coelho é sacerdote da Congregação dos Padres do Sagrado Coração de Jesus/Dehonianos e Doutor em Teologia Moral pela Academia Alfonsiana de Roma/Itália. Autor de diversos livros, como: “O que a Igreja Ensina Sobre…” e “A Misericórdia de Deus que alcança a Miséria Humana”, pela Editora Canção Nova.
Atualmente é professor na Faculdade Dehoniana de Taubaté-SP.